Background

Com vocês no Bits: JOSÉ HELAYËL-NETO


Pesquisador Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – Rio de Janeiro
Data da participação especial Bits: 26/NOV, 2a.f, sessão da tarde
Deixo abaixo os links q podem vir a interessar e o arquivo
do registro escrito de palestra q fiz na PUC-RJ.

PODCAST : A partícula final (José Adballa Helayel Neto)
PODCAST: Se a constante mudasse ( José Abdalla Helayel Neto)
Movimento PVNC - Pré Vestibular para Negros e Carentes




DOC PALESTRA PUC-RJ:

“Simetrias, Ciências Naturais e a Unificação do Conhecimento”



J. A. Helayël-Neto

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT)
Grupo de Física Teórica José Leite Lopes (GFT – JLL)
Curso de Pré-Vestibular para Negros e Carentes – Núcleo Petrópolis.


A idéia central deste texto é colocar uma proposta de como o conhecimento e a familiaridade com as Ciências Naturais, em particular a Física, podem contribuir para a reconstituição da motivação, do crescimento e até mesmo da consciência de dignidade do público de jovens e adultos que freqüentam as classes dos cursos comunitários de pré-vestibular. Compreender os fenômenos naturais e sociais, modelá-los através de princípios e conceitos, e descrevê-los por meio de teorias coloca estes indivíduos diante da grandeza e majestade de nosso Universo, os faz compreender a arquitetura da matéria e dos fatos e, assim, redimensiona a sua concepção de participação na sociedade. Esta tem sido, sobretudo, a filosofia de trabalho frente ao Curso de Pré-Vestibular para Negros e Carentes no núcleo onde atuamos em Petrópolis: o conhecimento científico e a compreensão do micro e do macrocosmos como a alavanca para o interesse, para a inserção e para a redescoberta da grandeza do ser-humano, catalisada pelo conhecimento naquela situação-limite em que se considera estar diante de um quadro de total marginalização dos processos e do progresso da sociedade da informação e da sociedade do conhecimento.
O conceito da Física contemporânea que mais estimula esta busca e que mais motiva este processo é o conceito de Simetria; esta idéia passa pela Geometria e pela Álgebra, é instrumento de investigação teórica na Física, chega à Filosofia e às Artes e pode ser convenientemente elaborada para tratar de situações e sistemas nas Ciências Humanas e Sociais.
A física contemporânea descreve os fenômenos naturais em termos de quatro interações fundamentais – para nossos propósitos aqui, podemos pensar nessas interações como sendo forças. A força gravitacional e a eletromagnética são as interações fundamentais que se fazem sentir no mundo macroscópico, em escala humana. As outras duas, a força nuclear forte e a força nuclear fraca, não se revelam em escala macroscópica. Aparecem apenas em escala subatômica – na verdade, como o nome indica, em escala nuclear, portanto a distâncias tão pequenas como o décimo do trilionésimo do centímetro, o que corresponde ao centésimo de milésimo da escala atômica ou à milionésima parte da nanoescala.
A força gravitacional é a responsável pelos movimentos planetários e pela organização da estrutura em larga escala de nosso universo. A força eletromagnética é a interação que responde pela formação dos átomos, pelas ligações moleculares e pelos processos biológicos fundamentais, por exemplo. Já a força nuclear forte responde pela coesão dos prótons e dos nêutrons no interior dos núcleos atômicos, e a nuclear fraca pelos processos radioativos, em que núcleos atômicos instáveis expelem partículas.
Cada uma dessas forças é descrita por uma teoria. A gravitacional é explicada pela teoria da relatividade geral publicada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) em 1916. Já a eletrodinâmica quântica descreve os fenômenos que envolvem a força eletromagnética. Foi desenvolvida no início da década de 1940 e ajudou a entender o mundo das chamadas partículas elementares – ou seja, partículas 'indivisíveis'. Trabalhos publicados entre 1961 e 1968 ajudaram a formular a teoria que unificou tanto os fenômenos eletromagnéticos quanto aqueles regidos pela força nuclear fraca. A teoria eletrofraca – como ficou conhecida – mostrou, portanto, que essas duas forças têm uma origem comum.
Todos estes desenvolvimentos foram estruturados em cima do conceito de simetria. É oportuno, então, estabelecermos o entendimento desta idéia. Diz-se que um sistema qualquer é simétrico sob uma certa operação quando este resulta inalterado, isto é, apresenta-se o mesmo, após ser realizada sobre ele uma dada operação ou intervenção. Isto ocorrendo, dizemos ter um sistema simétrico sob a operação considerada. O exemplo mais primário desta idéia é a simetria apresentada por um círculo sob a operação de rotação: qualquer intervenção que faça uma rotação no círculo o deixará inalterado, imutável. Gira-se o círculo, mas, após tal operação, ninguém diria que este sofreu o efeito de uma rotação.
Tal idéia nos remete imediatamente à relação entre simetria e harmonia de formas: um sistema simétrico é um sistema que apresenta partes muito semelhantes e que reflete naturalmente uma beleza, por não ter descontinuidades e dissonâncias aparentes.
A Física, a partir da formulação da Teoria da Relatividade Restrita, no início do Século XX, institucionalizou a simetria como uma forma de pensamento que responde a muitos aparentes questionamentos sobre a organização e constituição da matéria. A simetria entre espaço e tempo da Relatividade Restrita é a base para esta proposta.  A descrição da microestrutura da matéria através das chamadas teorias quânticas é também formalizada em termos das simetrias e suas conseqüências. À medida que o íntimo da matéria é perscrutado mais e mais a fundo, novos regimes de comportamento vão-se revelando através do aparecimento de novas simetrias. Entretanto, o vasto e variado mundo sub-nuclear apresenta uma grande diversidade de partículas, além de elétrons, pósitrons, prótons e nêutrons. O aparente impasse é conciliar um regime com tantas simetrias e, ao mesmo tempo, com tantas diversidades.
O mais interessante da forma de se trabalhar as simetrias é que, justamente,  estas não só explicitam as harmonias, mas organizam a aparente arbitrariedade das diferenças. A base de partida são as igualdades: um regime simétrico impõe uma conjuntura onde as partes aparecem como indistinguíveis e participam dos processos todas da mesma forma. Porém, uma vez que a situação simétrica tenha sido estabelecida, a própria noção de simetria e  seus possíveis  mecanismos de violação – na linguagem formal também conhecidos como mecanismos de quebra de simetria -  nos permitem compreender as diferenças, nos ensinam a organizá-las e nos fazem compreender que, no aparente caos dos objetos que se nos apresentam tão distintos, existe uma ordem comum, uma origem única, e as diferenças que se vêem no regime de simetria perdida passam a ser compreendidas, e podem ser sistematicamente previstas, pelos princípios contidos na própria simetria. Neste sentido, é legítimo afirmar que certas simetrias, ainda que não diretamente percebidas e reveladas, asseguram a harmonização e a organização das diferenças. Este pode ser considerado como um dos legados mais conseqüentes da noção de simetria: compreender a origem das diferenças a partir de um regime de plena igualdade.
O grande projeto de unificar os campos de força da Natureza, que é um dos grandes eixos de investigação da Física Teórica contemporânea, parte e se fundamenta essencialmente no conceito de simetria: busca-se qual seria a simetria organizadora do Universo primordial.
Com esta motivação em mente, trabalhamos com os nossos jovens e adultos do núcleo de Petrópolis o ensino da Matemática e das Ciências Naturais, fazendo-os ver como a Física, a Matemática,  a Química e a Biologia se completam; trazemos as idéias de simetrias, igualdades, harmonias e diferenças para o contexto da Educação e das Humanidades, mostrando-lhes como o conhecimento é unificado, buscando um princípio mais fundamental por trás de ciências e saberes aparentemente tão diversificados.
Quebrar preconceitos  ligados à aprendizagem da Física e da Matemática, motivar tais ciências para uma melhor compreensão e avaliação mais precisa da própria sociedade e, sobretudo, retornar às origens e descobrir que a essência de nosso Cosmo está na busca da Simetria Primordial, desencadeia nos estudantes o sentido de que todos podemos compartilhar a compreensão do mundo, restaurando, mesmo naqueles mais à margem do processo do conhecimento, a dignidade de poder decifrar a Natureza. A percepção é de que, uma vez percebendo o quanto de humano e social a Física e a Matemática carregam – e o conceito de simetria é o elemento-chave neste processo – as diferenças se atenuam, se harmonizam, e todos se “simetrizam” na busca do conhecimento como o único dispositivo para a inserção e para a mobilidade social.
Estas idéias devem ser constantemente construídas durante os cursos de Física e Matemática, exemplificando-se e ilustrando-se conceitos e discussões formais com questões sociais e humanísticas. Como é interessante descobrir as leis matemáticas e os conceitos físicos que estão por trás de sistemas econômicos, biológicos, ecológicos ou atômicos! Ao perceber a grande simetria que há no conhecimento humano, o público-alvo se dá conta e se auto-convence de que a compartimentação em tantas diversas disciplinas é apenas uma forma de organizar a nossa marcha  para a compreensão do mundo que nós mesmos construímos.
Este é, talvez, um dos grandes benefícios e dos mais eficazes dispositivos para a integração dos saberes: em todos os campos do conhecimento, estabelecemos regras e exceções, igualdades e diferenças; a grande questão, todavia,  é a universalização. Esta última é o legado máximo de um dado princípio de simetria: encontrar padrões de comportamento compartilhados por uma multiplicidade de objetos distintos. Estabelecer as igualdades e mostrar que as próprias diferenças constatadas podem ser compreendidas a partir destas igualdades é tarefa da simetria, que se cristaliza, desta forma, como uma primeira forma de tratar todos os saberes de forma harmoniosa. Criar esta atitude em nosso público e fazê-los participar deste debate faz das aulas de Física e Matemática o laboratório para a construção de uma nova postura frente ao conhecimento transmitido e compartilhado nas aulas de Ciências da Natureza.  A partir destas, transladamos a discussão para o campo da Lingüística e para os campos humanísticos, procurando colocar em evidência e promover o debate em torno da simetria e mostrando, finalmente, a universalidade deste conceito.
Concluindo esta argumentação, seria oportuno manifestar que os níveis de motivação para o estudo da Física e da Matemática crescem manifestamente dentro deste quadro integrador, quando a questão da simetria é enquadrada num contexto de Cultura e Cidadania e as diferenças culturais e sociais podem ser discutidas e modeladas sob a ótica deste conceito.

Categories: Share

Blog Archive